quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O papel da escola na revitalização da língua portuguesa


A língua portuguesa é, por diversas razões, uma das línguas que tem um léxico mais rico.
De entre outras razões, destacam-se as históricas, sociais e culturais. Logo na sua origem, encontramos na língua portuguesa influências do latim, do grego e árabe, maioritariamente. A partir do séc. XV, foi enriquecida quando Portugal deu início ao processo de globalização. Com este processo surgiu uma oportunidade de expansão e transformação da nossa língua, tendo sofrido adaptações pelos quatro cantos do mundo a ponto de ser, neste momento, língua oficial e, em alguns casos, materna de vários estados independentes.
O que outrora fora uma oportunidade surge agora como uma ameaça. Na verdade, os novos padrões sociais que valorizam o hedonismo, o relativismo, o consumismo, e apresentam o mundo como uma realidade volátil, parecem fazer perigar a língua portuguesa, que surge actualmente, numa era da informação e num mundo em que tudo se compra se vende, a tentar ganhar o seu espaço e a lutar pela sua sobrevivência.
Todavia, a concorrência é feroz. A oriente, o mandarim assume-se progressivamente como a língua materna mais falada no mundo enquanto a ocidente o inglês conquista “praticantes” que o adoptam como segunda língua. O inglês apresenta-se como a língua mais simples e facilmente compreensível, talvez por isso seja frequente ver candidatos em concursos televisivos de música, como o Ídolos, por exemplo, a preferir cantar canções em inglês em detrimento da música na sua língua materna. De facto, a compreensão do inglês torna-se mais simples pois que a mesma é composta por um vocabulário mais restrito do que o português, já que naquela a mesma palavra pode ter vários significados.
Um dado que também não podemos ignorar é o de esta ser a língua materna de algumas das economias mais fortes dos quatro continentes, a saber: América – EUA e Canadá, África – África do Sul, Europa – Reino Unido e Oceânia – Austrália e Nova Zelândia. Qualquer pessoa, mesmo a menos atenta, percebe que a economia condiciona cada vez mais domínios na sociedade. As pessoas perderam rosto e tornaram-se um número, sem emoções, sentimentos ou suor. As mesmas têm de fazer mais em menos tempo para assim atingirem as suas metas que são, na realidade, outros números. Assistimos a estes factos nas empresas, no desporto e até na educação. Para tal importa simplificar, uniformizar e facilitar. Algumas empresas adoptam vocábulos estrangeiros para identificar os seus produtos e facilitar a posterior internacionalização; jornais desportivos efectuam traduções quase automáticas de notícias internacionais e no ensino surgem sebentas que facilitam o estudo. Estes comportamentos têm reflexos sociais. Por ser mais moroso e, por vezes, dispendioso, o “AFIRMATIVO” está a dar lugar ao “OK”, em mensagens enviadas via sms ou mail.
Analisando as alterações provocadas pela mudança de paradigma podemos levantar a dúvida se a língua portuguesa não está a morrer mas sim a adaptar-se? De facto continuamos a comer e alimentarmo-nos (comunicar) dela, mas em vez das casas de pasto vamos aos restaurantes. Não estaremos a assistir a uma anglicização, ou outro processo semelhante, da língua portuguesa? É certo que as línguas estão a reinventar-se constantemente. Foi assim que, como refere Saramago no seu texto o latim deu origem ao Galaico-Português e este ao Português. O que importa neste momento é reflectir sobre o futuro… qual será? Não sabemos… Sabemos que, se nós queremos defender um dos elementos da identidade lusa, teremos de fazer algo.
Primeiro teremos de aprender verdadeiramente a língua portuguesa. Perceber que o Bem-haja que Saramago utilizou para agradecer a atribuição do Prémio Nobel da Literatura não pode ser traduzido por um simples Thank you! É aqui que a escola tem um papel fundamental. Para tal, deve ensinar não só no domínio do saber-saber como do saber-aprender. A oferta de conhecimento é bem diferente de há algumas décadas atrás. Neste momento, através de um click temos acesso a uma panóplia de informação, alguma dela tratada mas não devidamente trabalhada. Esta informação que surge organizada em forma de sebentas ou resumos apresenta-se-nos decapitada do que é considerado de superficial mas é, no fundo, o que de mais belo e humano a língua tem para oferecer, a imaginação e o seu carácter subjectivo. Aquilo que não está escrito, mas é dito. A escola deve ensinar os aprendizes, jovens ou adultos, a valorizar as potencialidades da informática sem ignorarem que ela é um meio e nunca o fim exclusivo de atingir o conhecimento. Aliás esse pode ser encontrado de múltiplas formas e uma delas é através dos livros. Para tal, o livro deve ser apresentado como algo apelativo, agradável que, em muitos casos, primeiro estranha-se e depois entranha-se. Reconheça-se que a descoberta do gosto pela leitura pode ser algo doloroso mas que, à medida que nos habituamos, se torna viciante.
Ao lado dos defensores da língua portuguesa devem ainda estar os fazedores de opinião e todos aqueles que diariamente comunicam, escrevem e são lidos. Estes devem ser libertos dos grilhões e dos chavões quotidianos. Devem ter a liberdade para comunicar, seja em Português do Brasil ou no que resulta da crioulização moçambicana ou cabo-verdiana. Não é o que tem estado a acontecer com alguns dos jornais mais lidos, como o Record ou o Correio da Manhã, a aderiram ao acordo ortográfico.
Penso que devemos recusar que o processo de globalização redunde no de uniformização ou de subordinação à língua inglesa. Aliás, este deve respeitar as minorias e as especificidades. Neste sentido, a defesa da língua portuguesa não deve passar pelo caminho errado. Embora compreenda que o Acordo Ortográfico vise a sobrevivência da língua portuguesa através da sua uniformização nos quatros cantos do globo, não creio que este seja o melhor caminho, antes pelo contrário. A mais-valia da língua portuguesa reside na sua diversidade e particularidade que fica deste modo condicionada.
Mas é uma luta que não se afigura fácil. Todos temos de estar preparados para enfrentá-la, nas empresas, nas escolas, na comunicação social e até na rua e sermos (auto) apelidados de loucos e/ou corajosos. Mas este é o fado dos portugueses, juntar a loucura com a coragem. Bem sei que neste processo corremos o risco de perder, de termos saudade do que era nosso, de encontrar pedras no caminho mas como referiu Fernando Pessoa, guardo [as], [para] um dia construir um castelo, o da língua portuguesa enriquecida e com mais vigor.  

Sérgio Miguel Cardoso Mendes
Profissional RVC

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